No Ayurveda existem 2 abordagens tradicionais, encontrada nos antigos textos clássicos, para a semiologia:
- Exame do paciente (rogi pariksha)
- Exame da doença (roga pariksha) (1)
Vamos estudar estas abordagens separadamente como está descrito na literatura ayurvédica:
- Exame do paciente:
Chamado na literatura de rogi pariksha, onde usamos 3 abordagens, que foi denominada Trividha Pariksha, ou seja, observação ou inspeção, interrogatório ou questionamento e palpação ou exame pelo toque:
I- Inspeção ou darshana: durante a observação analisamos a compleição, pele, unhas, edemas, tórax, abdômen, coluna vertebral, membros inferiores e superiores, face, cabeça e pescoço, cabelos, olhos, boca, nariz, língua, movimentos e deambular. Muitas vezes conseguimos apontar o desequilíbrio do Dosha apenas pela observação e utilizamos o questionamento e palpação para confirmar a suspeita diagnóstica.
II- Questionamento ou prashna: o interrogatório é uma arte e deve ser constantemente desenvolvido pelo profissional ayurvédico. O professor Srikanta Murthy no seu trabalho “Clinical Methods in Ayurveda” propõe uma metodologia para a coleta da história do paciente, não é a única mas uma forma organizada de pensar a anamnese (2):
Queixa principal: a queixa ou as queixas, na própria linguagem do paciente, que o levaram a buscar ajuda, deve-se colocar aqui a duração da sintomatologia. Uma pergunta relevante no início do interrogatório é: “o que você sente atualmente ?”.
Historia da doença presente: aqui o profissional faz a coleta da sintomatologia relacionada a patologia ou ao sofrimento atual do paciente, inclui: inicio, fatores agravantes e atenuantes, natureza, severidade, progresso, tratamento anteriores e seus resultados.
Historia passada: questiona-se a região de nascimento, locais onde ele viveu, hábitos das pessoas desta área, condições da sua saúde anterior a sintomatologia atual, doenças antigas, cirurgias, distúrbios emocionais e uso de medicamentos.
Historia familiar: saúde e doença dos familiares (pais, irmãos e filhos), doenças contagiosas, óbitos, relacionamento com a esposa/marido.
Historia pessoal, ocupacional e social: história dos hábitos dietéticos, uso de substancias como café, álcool, drogas não receitadas, uso do tempo livre, sono, profissão e estresse no trabalho, sexualidade e ciclos menstruais, gravidez e menopausa nas mulheres.
III- Palpação ou sparshana: O último passo do trividha pariksha é a palpação (sparshana). Normalmente utiliza-se a palpação para confirmar os achados da inspeção e do interrogatório minucioso. Faz-se a palpação do tórax, abdômen, cervical, mama na mulher, coluna vertebral, membros inferiores e pulso (nadi pariksa). Colocamos na tabela abaixo as principais características dos Doshas que podem ser utilizadas para a leitura dos seus desequilíbrios (3)
VATA | PITTA | KAPHA | ||||||||
ALTURA | Alto ou baixo | Médio | Atarracado e corpo largo | |||||||
PESO | Magro | Médio | Gordo e pesado | |||||||
APARÊNCIA | Embotada | Avermelhada | Pálida | |||||||
PELE | Fria e seca | Quente e oleosa | Fria e oleosa | |||||||
CABELO | Escasso e seco | Grisalho e careca | Abundante e oleoso | |||||||
CABEÇA | Pequena | Média | Larga | |||||||
FACE | Fina | Média | Larga e redonda | |||||||
PESCOÇO | Fino e longo | Médio | Largo e grosso | |||||||
SOBRANCELHAS | Finas | Médias | Grossas | |||||||
OLHOS | Pequenos e secos | Médios e vermelhos | Largos e atrativos | |||||||
NARIZ | Fino e longo | Médio | Grande e grosso | |||||||
LÁBIOS | Finos, secos e pequenos | Médios e vermelhos | Grossos e oleosos | |||||||
TÓRAX | Fino e pequeno | Médio | Largo e bem desenvolvido | |||||||
BRAÇOS | Finos | Médios | Grossos e desenvolvidos | |||||||
COXAS | Finas | Médias | Grossas e desenvolvidas | |||||||
JUNTAS | Pequenas e crepitantes | Médias e soltas | Grossas e gordas
|
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UNHAS | Finas, secas e rachadas | Médias e macias | Largas e grossas
|
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URINA | Escassa, difícil e clara | Amarelada | Branca e leitosa | |||||||
FEZES | Secas, duras e com gases | Soltas e amareladas | Sólidas e com muco | |||||||
SUOR | Escasso e sem cheiro
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Abundante e com
cheiro forte |
Moderado com odor agradável | |||||||
FOME | Variável | Grande | Constante mas pouca | |||||||
PREFERÊNCIAS DE ALIMENTOS | Cozidos com óleos e condimentos | Crus e sem condimentos | Cozidos sem óleos | |||||||
CIRCULAÇÃO | Pobre e errática | Boa e quente | Boa, lenta e constante | |||||||
ATIVIDADE | Rápido e errático | Médio e determinado | Lenta, firme e constante | |||||||
RESISTÊNCIA | Baixa e pobre | Media e intolerante ao calor | Boa porem lenta para começar | |||||||
LIBIDO | Variável com baixa energia | Apaixonado e moderado | Constante com boa energia | |||||||
SENSIBILIDADE | Evita vento e frio | Evita calor | Evita frio e umidade | |||||||
TENDÊNCIA | Alterações do Sistema nervoso | Febre e inflamações | Tendência a distúrbios respiratórios | |||||||
ADOECIMENTO | Dores e ansiedade | Infecções e inflamações | Edemas e mucosidades | |||||||
(4)
2. Exame da doença:
No Ayurveda nós examinamos a doença através de nidana panchakam, nidana quer dizer etiologia e pancha significa cinco, ou seja, nidana panchakam são as cinco dimensões clínicas através das quais nós tentamos entender o adoecimento do paciente. Elas são:
I- Etiologia ou causa (nidana): o Ayurveda enfatiza a importância do terreno em relação as sementes, ou seja, do corpo em relação aos micro-organismos: as sementes somente crescem se houver um ambiente favorável. De forma similar os micro-organismos apenas conseguem afligir o corpo se nossa resistência estiver diminuída. Quando nossa vitalidade e sistema imunológico estão adequados o fator patogênico não irá produzir o adoecimento. A Medicina Indiana classifica os fatores etiológicos da seguinte forma:
A- Endógenos, que são subdivididos em 3 tipos:
A1- Hereditárias: transmitidas pelos pais. Ex. Diabetes
A2- Congênitas: causadas pelo comportamento da mãe durante a gravidez. Ex: defeito na constituição
A3- Fatores após o nascimento: distúrbios que levam ao desequilíbrio dos Doshas. Ex: estilo de vida e dieta inadequados
B- Exógenos, traumatismo físico. Ex: ataque de algum animal
C- Causas naturais, são subdivididas em 3 grupos:
C1 -Sazonais: doenças relacionadas a estação. Ex. doenças respiratórias ( Dosha Kapha) no inverno.
C2- Sobrenatural: doenças causadas por agentes sutis. Ex: magia negra.
C3 – Naturais: doenças causadas por um efeito considerado natural. Ex: fome, sede e envelhecimento.
II- Sintomatologia prodrômica (purvarupa): queixas que aparecem previamente a futura doença. Ex. na enxaqueca o paciente pode sentir alterações do humor e da fome, dor cervical ou até náuseas antes da crise de dor.
III- Manifestação dos sinais e sintomas da doença (rupa): nesta fase há o completo manifestar clínico do adoecimento. Ex. na enxaqueca aparece dor de cabeça moderada a forte, do tipo pulsátil ou latejante, unilateral que pode estar associada a náuseas, vômitos e intolerância a luz e som.
IV- Teste terapêutico (upashaya): algumas doenças tem sintomas semelhantes a outras o que pode causar duvidas no diagnóstico correto. Por isto podemos aplicar um teste terapêutico. Ex. substancias ou compressas quentes aliviam distúrbios de Vata enquanto substancias e compressas geladas agravam o Dosha Vata.
V- Patogenênese (samprapti): refere-se ao processo de adoecimento com a evolução do desequilíbrio do Dosha para gerar uma patologia. Aqui descreve-se os vários processos que ocorrem no corpo. Os seis estágios do adoecimento, relacionado aos Doshas, foram descritos no texto clássico Susruta Samhita com o nome de Sad Kriya Kala. Estes estágios demonstram o desenvolvimento da patologia em relação ao agravamento do desequilíbrio dos Doshas no nosso corpo físico:
A– Sanchaya : estágio de acúmulo local do Dosha desequilibrado
B– Prakopa: estágio de agravação e disfunção do Dosha
C– Prasara: estágio de circulação do Dosha agravado
D- Sthana samshraya: estágio de localização, quando durante a circulação do Dosha este entra em contato com tecidos ou órgãos enfraquecidos ou desvitalizados, esta interação pode levar a formação de lesão no tecido ou órgão pelo Dosha desequilibrado
E- Vyakthi: estágio de manifestação, quando o paciente não é tratado adequadamente o adoecimento evolui para a manifestação completa dos sinais e sintomas de uma patologia
F– Bheda : estágio de complicação, esta é uma evolução do estágio anterior, quando não abordado adequadamente, levando a complicações com um prognóstico sombrio da patologia (5)
Observamos que o diagnóstico ayurvedico é algo complexo, o que exige do profissional estudo e experiência clínica. Após feita a leitura do desequilíbrio temos condições de indicar uma terapêutica individualizada de acordo com a necessidade de cada um dos pacientes. No Ayurveda não há necessidade de exames complementares, laboratoriais ou de imagem, para se chegar a um diagnóstico preciso da desarmonia pois o que vale é aquele antigo ditado repetido pelos mestres: “a clínica é soberana”.
Referências:
1. Vagbhata, Ashtanga Hrdayam, trad. Pisharodi, p. 103 a 106. 2016.
2. Srikantamurthy, Clinical Methods in Ayurveda, p. 30 a 33. 1983.
3. Lad, Textbook of Ayurveda, A Complete Guide to Clinical Assessment, p. 57 e 58. 2006.
4. Rocha, A Tradição do Ayurveda, p. 153 a 154. 2010.
5. Giri, Synopsis of Susruta Samhita, p. 49 e Mandip, Ayurveda, Principles and Pancha Karma Practice, p. 207 a 213. 2013.
Prof dr. Aderson Moreira da Rocha, médico de família, reumatologista e acupunturista. Especialista em Ayurveda pela Associação Brasileira de Ayurveda e Arya Vaidya Phramacy ( Índia), pós-graduado em nutrologia pela Associação Brasileira de Nutrologia. Mestre e doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ.
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