Nós encontramos no Charaka Samhita (principal texto de clinica médica ayurvedica) a definição de Ayurveda na sua seção inicial ou Sutra Sthana: “Aquilo que é chamado de ciência da vida estabelece o bom e mau da vida, uma vida feliz e infeliz, o que é saudável e não saudável e também as dimensões da vida humana”. Nesta mesma seção no capítulo VIII encontramos a seguinte afirmação sobre as práticas relacionadas as relações sociais: “As pessoas devem seguir o caminho do brahmacharya (autocontrole na sexualidade), conhecimento (sabedoria), caridade, amizade, compaixão, felicidade, desapego e paz”. Escrito há muitas centenas de anos o texto parece bem moderno e seu estudo e compreensão tornam-se necessários ao bem estar e a saúde do ser humano do século XXI.
Na filosofia do Ayurveda afirma-se que o ser humano tem 4 objetivos na vida ou purushastra: virtude ou ordem moral (dharma), bem estar material ou riqueza (artha), prazer e desejo ( kama) e libertação ou emancipação (moksha). O Charaka Samhita, no seu Sutra Sthana, afirma: “A boa saúde esta na raiz da virtude (dharma), aquisição de riqueza (artha), gratificação dos desejos (kama) e emancipação ou libertação (moksha). Enquanto que as doenças são as destruidoras da saúde, do bem estar e da vida. Isto tem se manifestado como o grande obstáculo no caminho da vida humana. Qual poderia ser o medicamento? Os sábios, com este pensamento, entraram em meditação. Então tiveram a visão de Indra (rei dos deuses), como o salvador, que iria explicar o caminho adequado para dissolver o adoecimento”.
Porem, na seção de Chikitsa Sthana (sobre a terapêutica ayurvédica), encontramos uma história da origem mitológica do Ayurveda: “Os sábios, tanto os ermitões que viviam nas florestas quanto os monges errantes, tiveram sua saúde deteriorada devido ao uso de remédios e alimentação dos habitantes das cidades. Devido a isto eles se tornaram preguiçosos, incapazes de manter suas praticas de meditação e ficaram interessados no acumulo de riquezas. Com o tempo os sábios realizaram seus próprios erros, em residir entre as pessoas ignorantes das cidades, e resolveram retornar as suas antigas moradas nas auspiciosas montanhas do Himalaia…lá chegando encontraram o deus Indra (rei dos deuses) que afirmou: “Sejam bem vindos conhecedores de Brahma (criador) e dos Vedas…Eu vejo que vocês perderam sua força, energia e sofrem da deterioração da voz e compleição. Estes são os resultados de viver nas cidades com suas consequências não auspiciosas… agora é o momento de olhar para sua saúde e receber o Ayurveda (ciência da vida) para seu próprio bem estar e também das pessoas…Eu irei doar a vocês o conhecimento do Ayurveda que é sagrado, promotor da longevidade, que alivia as doenças e a senilidade, promove a vitalidade, é semelhante a ambrosia, auspicioso, protetor e universal…”.
No Charaka Samhita, seção Sarira Sthana, encontramos a filosofia indiana da libertação, emancipação ou moksha. Nos versos 142 a 146 descreve-se moksha da seguinte forma: “ Moksha (libertação) é possível pela ausência de paixões (rajas) e ignorância (tamas), aniquilação dos efeitos das ações passadas (karma) e também pela ausência de renascimento.” São descritos os seguintes meios para alcançar a realização de moksha ou libertação:
- Manter a companhia de pessoas santas (nobres almas)
- Evitar a companhia de pessoas malvadas (seres humanos ignóbeis)
- Observar votos sagrados e jejum
- Buscar as regras de boa conduta
- Estudo das escrituras religiosas
- Apreço por locais solitários
- Desapego a prazeres mundanos (desprendimento dos sentidos)
- Esforço na busca pela libertação (moksha)
- Busca pelo controle da mente
- Evitar iniciar ações que levam a resultados indesejáveis
- Promover a aniquilação de efeitos de ações passadas
- Desejo de fugir das armadilhas mundanas
- Ausência de tendências egocêntricas
- Concentração na alma (consciência ou atma)
- Investigação da verdadeira natureza das coisas (separar o real do irreal)
Dentre as várias correntes da filosofia indiana escolhemos, como caminho para alcançar a libertação ou iluminação espiritual (moksha), a prática da meditação. Algumas pessoas afirmam que não conseguem meditar pois são muito ansiosas ou que sua mente é extremamente inquieta. Mesmo estas pessoas, com alguma persistência e paciência, conseguem alcançar um estado meditativo. Colocaremos aqui algumas dicas, que utilizamos, para a prática da meditação: Tenha um professor experiente, é verdade que você pode iniciar a pratica através de livros, CDs e vídeos mas em um determinado momento você terá a necessidade de alguém mais experiente para te ajudar. Um instrutor atencioso e bem intencionado é muito bem vindo. Inicie com uma técnica simples e por pouco tempo no começo (5 a 10 minutos, 2 vezes ao dia). As pessoas que dão continuidade a pratica são aquelas que têm amigos meditadores e frequentam centros dedicados a meditação. Uma vez por semana pratique meditação em grupo, com meditadores experientes, isto ajuda a aprofundar a pratica. Uma das coisas mais interessantes é fazer retiros de meditação com meditadores mais antigos, você terá a oportunidade de se dedicar a pratica mais intensa.
Procure evitar pensar que você terá experiências maravilhosas com pouco tempo de meditação. A autodisciplina e a persistência de sentar todo dia já é o resultado, ou seja, uma grande conquista para sua saúde física e mental e seu caminho de autoconhecimento. Observamos como é comum as pessoas sentirem dificuldades em acalmar a mente e sentar em silencio. O Hatha Yoga é a melhor metodologia para preparar o corpo, o sistema nervoso e a mente para a prática. Além do Hatha Yoga praticamos o Tai Chi Chuan que é uma verdadeira meditação em movimento, excelente para tranquilizar o sistema nervoso e preparar a mente para a introspecção sentada e silenciosa. Além disto, a prática regular de natação também ajuda a diminuir o estresse, a ansiedade e melhorar a qualidade do sono, o que, no final das contas, auxilia a pacificar a mente para a introspecção. Saiba que meditar deve ser prazeroso, a prática da meditação regular traz paz, bem estar, equilíbrio e saúde. Se a meditação é um sacrifício para você, algo está errado, busque orientação de um professor experiente. Recomendamos a leitura de dois livros sobre o assunto: “Meditação para Leigos” de Stephan Bodian e “Atenção Plena” de Mark Williams e Danny Penman. Terminamos com a afirmação do mestre Yogananda, autor da inspiradora “Autobiografia de um Iogue”: “O profundo samadhi (êxtase) na meditação é possível somente quando todas as funções corporais são aquietadas. Uma dieta adequada e o jejum são uteis, condicionando o corpo para este estado de tranquilidade e interiorização”. Boas meditações!
Prof. Dr. Aderson Moreira da Rocha, médico de família, reumatologista, especialista em Acupuntura pela Associação Médica Brasileira e especialista em Ayurveda pela Associação Brasileira de Ayurveda. Tel: (21) 25373251. Visite: www.ayurveda.com.br
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