“Yoga e Ayurveda caminham juntos. Yoga e Ayurveda são antigas disciplinas de vida que tem sido praticadas há muitos séculos na India. Eles são mencionados nos Vedas e nas Upanishads. Yoga é a ciência da união com o Divino, com a Verdade, e o Ayurveda é a ciência da vida. Yoga participa com o Conhecimento e o Ayurveda com a perfeita saúde. Portanto, um yogi que não conhece Ayurveda é um meio-yogi e um terapeuta ayurvédico que não conhece Yoga é um meio-terapeuta ayurvédico. O objetivo do Yoga é a união com o Ser Supremo, mas esta união só pode ser obtida quando você tem um corpo saudável, uma mente saudável e uma consciência saudável. Assim , Yoga e Ayurveda são os alicerces da vida. São as duas faces de uma mesma moeda. Eles são Um. Asana, pranayama, relaxamento, mantra e meditação são algumas das principais prescrições do Ayurveda.”
Dr. Vasant Lad

Segundo o Samkhya – a filosofia pré-védica que embasa o Yoga e o Ayurveda e que classifica e estuda todo o processo da criação do universo – esta criação começa a partir da interação de um princípio espiritual, transcedental – Purusha, com um princípio vital, material – Prakriti.

Fazendo uma analogia, Purusha seria como a eletricidade e Prakriti, a lâmpada. A luz – neste caso a criação – ocorre quando a energia sutil anima a matéria.

Da mesma forma como a luz gerada por uma lâmpada é fruto da interação das três cores básicas – amarelo, azul e vermelho – a Prakriti age na criação manifestando suas três gunas – as qualidades da natureza material : Sattwa , o princípio do equilíbrio, da paz, da pureza ; Rajas , o princípio do movimento, da atividade, da paixão ; e Tamas, o princípio da inércia, da escuridão e da ignorância.

As gunas vão interagir complexa e infinitamente dos níveis mais sutís aos mais densos da criação, do mais espiritual ao mais abissal.

À partir da manifestação das gunas, surge o nível Causal – Mahat – aonde centra-se avidya, a ignorância do nosso estado Uno, que resulta em maya, a identificação equivocada com esta realidade dual. No homem, Buddhi é o intelecto, responsável pela faculdade do discernimento. Localiza-se – usando as duas terminologias hindus que definem os diferentes corpos e dimensões do ser – no Karana sharira (corpo causal) ou ainda em Ananda e Vijñana maya kosha (os “envólucros” da bem-aventurança e do intelecto).

De Buddhi manifesta-se Ahamkara, o ego. Do ego manifesta-se Manas, a mente, o receptáculo de Chitta, a matéria mental, o inconsciente, a memória, de onde advém os Vrittis, os movimentos da mente. Isso tudo localiza-se no Sukshma sharira (corpo sutil) ou em Mano e Prana maya kosha ( os envólucros da mente e do Prana).
Em Pranamaya kosha, aliás, é que se localizam os níveis mais periféricos dos Chakras, as Nadis (condutos de energia) e é aonde os Pranas circulam e atuam.

De Manas, manifestam-se os 5 Tanmatras (5 sentidos : visão, audição, paladar, olfato, tato), os 5 Jñana indriyas (órgãos de conhecimento : olhos, ouvidos, pele, nariz, língua) , os 5 Karma indriyas (órgãos de ação : pés, mãos, bôca, ânus, genitais) e os 5 Mahabhutas (elementos : terra, fogo, água ,ar, éter). Isso tudo localiza-se em Shtula sharira (corpo denso) ou Annamaya kosha (o envólucro do alimento, área de atuação do Jataragni).

Finalmente, da interação dos 5 Mahabhutas surge o Tridosha (os três doshas) :
– Vata, da interação do éter com o ar: dosha frio e seco, e que fundamentalmente controla o movimento.
– Pitta, do fogo com a água: dosha quente, que controla o metabolismo.
– Kapha, terra e água: dosha frio e úmido, que controla a estrutura.

E a infinita e complexa interação destes três princípios reflete o aspecto mais material da criação dos níveis macro ao microcósmico em todos os seres vivos. Os doshas também são a ponte entre nossa mente e nossa fisiologia.

Cada um dos doshas está relacionado a uma essência sutil que o “governa” , fazendo com que estas energias interajam com os outros doshas : Vata está relacionado com o Prana – a energia vital, que se subdivide em 5 pelos outros doshas; Pitta com Tejas ou Agni, o fogo essencial (cujo aspecto mais importante para o Ayurveda é Jataragni, o fogo digestivo) e Kapha com Ojas , a energia mental. Poderíamos dizer, utilizando as palavras de Robert Svoboda, que Prana, Tejas e Ojas são as expressões quintessenciais dos 5 Mahabhutas em sua aplicação à vida encarnada” e que os doshas “são as formas mais grosseiras de Prana, Tejas e Ojas., e também são as formas condensadas dos 5 Mahabhutas”.

As três gunas atuam interagindo-se ampla e profundamente nos e com os três doshas, mas de uma forma geral, Vata relaciona-se mais a Sattwa, Pitta a Rajas e Kapha a Tamas.

Há mais de 5000 anos na India, desenvolveu-se a Medicina Ayurvédica, profundamente embasada na filosofia Samkhya e no Tantra (também de origem dravidiana pré-védica). Nesta ciência, a espinha dorsal é o conhecimento dos doshas e sua atuação no ser humano, tanto física, quanto psicológica , emocional e energéticamente.

À partir deste conhecimento dos doshas , estabeleceu-se tipologias específicas , e à partir daí toda uma metodologia de diagnósticos, dietética, massagens, fitoterapia, farmacologia, etc.

Todas as pessoas apresentam uma interação complexa destes três princípios. O mais comum é predominar um dos doshas, havendo o hábito de ser dizer, por exemplo, que tal pessoa é ” Vata-Pitta” ou ” Pitta-Kapha” . Considerando-se o dosha predominante e o que vem em segundo lugar.

São duas, as classificações consideradas para efeito do levantamento da tipologia pessoal : a prakritti, isto é, a sua configuração dos três doshas por ocasião de seu nascimento, e a vikritti, a configuração que se apresenta agora, neste momento. A sua referência de equilíbrio é a sua própria prakritti. As terapias ayurvédicas estarão sempre ajudando a manter e/ou trazer sua vikritti no nível da sua prakritti.

O dosha Vata é sempre o que mais se desequilibra, geralmente também desequilibrando os outros doshas.

Este perfil pessoal vai apontar entre outras coisas – e o que é, aliás, o assunto central deste texto – os pontos fracos, as vulnerabilidades e fragilidades inerentes aos doshas predominantes, e quando em desequilíbrio.

Predominância Vata ou aumento de Vata, por exemplo, criam vulnerabilidades na área das articulações (artroses, artrites, etc.), dos intestinos (prisão de ventre), tendência para o consumismo, apetite instável, stress, doenças nervosas, dores em geral, medos, insônia, e memória ruim. Como é um dosha frio e sêco, poderá haver tendência a se resfriar, e a ter pele e cabelos sêcos. Tem normalmente estrutura corporal magra e ossuda.
Vata está relacionado aos 5 pranas, pois cada prana é um sob-dosha de Vata (cada dosha tem 5 sub-doshas), ainda assim, tem uma relação mais intensa com os pranas : Prana (aspecto funcional do prana que gerencia os processsos de absorção. Está relacionado ao relacionado ao chakra Anahata – elemento ar – e a glândula timo, que gerencia a respiração, atividade cardíaca, cintura escapular , membros superiores, afetos e sentimentos) e Udana ( É o prana do chakra Vishuddha – elemento éter – e da glândula tireóide, que gerencia voz, garganta, cervical, visão, olfato, audição, todo o cérebro, criatividade, comunicação).

A predominância Pitta ou seu aumento excessivo, poderá acarretar em fragilidade na área estomacal – gastrites – se abusar, pois Pitta come muito bem e em geral digere bem. Tem tendência à irritabilidade, raiva, ódio e ciúme. É o ” pavio curto” , o que aliás também é péssimo para o estômago, aumentando a secreção de ácido clorídrico, tornando-o uma vitima potencial de úlcera. Eventualmente pode ter desarranjos intestinais. Como é um dosha quente, Pitta tem pouca tolerância ao calor. Pitta está relacionado ao prana Samana (prana da assimilação. Relaciona-se ao chakra Manipura – elemento fogo e a glândula pâncreas, que gerencia o calor corporal, a digestão, estômago, intestino delgado, fígado, vesícula, emoção, auto-estima, poder pessoal)

Por fim, a predominância Kapha apresenta forte estrutura corporal, com tendência a obesidade. De apetite voraz, tem tendência a ter glicose e colesterol altos. Dorme muito. Pode vivenciar preguiça, pessimismo, inveja, estados depressivos, e também avareza e mesquinhez.
Kapha tem tendência à criar muito muco, devendo ter cuidado para evitar pneumonias, rinites, sinusites, bronquites. Uma das principais características de Kapha é a oleosidade. Kapha está relacionado aos pranas Vyana (prana da circulação. Está relacionado ao chakra Swadhisthana – elemento água – e às glândulas reprodutoras, que gerencia a circulação dos líquidos pelo corpo, a cintura pélvica, região lombar, sensualidade, sexualidade e reprodução) e Apana (prana da eliminação. Relacionado chakra Muladhara – elemento terra – e as glândulas supra-renais, que gerencia a base, as pernas e os pés, intestino grosso, ânus, excreções de uma forma geral, instinto de defesa, apego).

Então, para ajudar na promoção da saúde e no tratamento das doenças, o Ayurveda utiliza o Yoga como uma das suas mais importantes ferramentas terapêuticas. Aliás, todo o conhecimento – teórico e prático – espiritual, filosófico e terapêutico hindu repousa sólidamente sobre os pilares do Ayurveda, do Yoga, do Tantra e da Vedanta.

Seguindo a premissa ayurvédica de que todo o trabalho deve ser absolutamente personalizado, a Yogaterapia ayurvédica (chamada pelo Dr. Vasant Lad de AyurYoga) vai buscar atuar de encontro às particularidades tipológicas de cada um , utilizando o instrumental do Hatha e do Tantra Yoga – asanas (posturas), pranayamas (respirações), kriyas (limpezas), bandhas (contrações), mudra (gestos energéticos), mantras (vocalizações energéticas), nidra (relaxamento) e meditação – associado á práticas ayurvédicas complementares, tais como massagem, dietética e fitoterapia.

A prática yóguica mais diretamente relacionada com os doshas é a Pavana Muktasana.

Trata-se de uma técnica formada de 4 séries de exercícios físicos e respiratórios :

– A primeira série chamada “anti-reumática” , trabalha mobilizações que movimentam todas as articulações do corpo, desimpedindo o fluxo energético por atuar sobre os chakras auxiliares localizados em cada articulação do corpo. As articulações acumulam toxinas oriundas principalmente de má alimentação. Esta série está relacionada a Vata dosha.
– A segunda série chamada “anti-gastrítica” (Apanasana), trabalha envolvendo principalmente a musculatura abdominal – abdome e plexo solar. Energiza e equilibra o Jataragni. Esta série está relacionada a Pitta dosha.
– A terceira série, energizante (Shakti bandhas), está relacionada a Kapha dosha.
– E a quarta série chamada “trataka”, são exercícios específicos para os olhos.

As técnicas de Pavana muktasana (literalmente “liberação dos ventos” – articulares, estomacais e intestinais) foram resgatadas e recodificadas por Swami Satyananda Saraswati, e podem ser encontradas em seu livro : ” Yogasana, Pranayama, Mudra, Kriya, Nidra” e no livro “Psicologia do Tantra” do prof. Paulo Murilo Rosas.
Pavana Muktasana é excelente para manter e/ou restaurar o equilibrio dos três doshas.

A série de Surya Namaskara (saudação ao Sol) também pode deve ser feita regularmente para equilibrar os doshas. Deve-se apenas observar que esta série , segundo o Tantra, atua energizando especialmente a nadi Pingala (polaridade solar, masculina, quente, positiva). Como Vata e Kapha estão mais relacionados a nadi Ida (polaridade lunar, fria, feminina, negativa) e Pitta a nadi Pingala, as pessoas de Vata e Kapha devem fazer a série de forma bem dinâmica com as respectivas respirações e as pessoas Pitta devem fazer a série bem lentamente com a respiração livre, suave e profunda.

Vata está relacionado com o chakras Anahata (elemento ar) e Vishudha (éter) e necessita de “trabalho de base” para drenar o excesso de energia dos chakras superiores para os básicos .
Vata será beneficiado com a prática de Yoga Sukshma Vyayama (ver “Psicologia do Tantra” , prof. Paulo Murilo Rosas), que aquece e promove “grounding”, trabalhando a energia dos chakras superiores para os básicos (Shristhi krama, ou o Caminho da criação).
Posturas de grounding também são os Trikonasanas e Parshwa Konasana – que também aumentam a capacidade respiratória promovendo a abertura do gradil costal – além dos Guerreiros 1 e 2.
O trabalho de Pavana Muktasana é excepcionalmente benéfico para Vata, especialmente as duas primeiras séries, mas as pessoas que possuem este dosha muito elevado não devem exagerar, pois esta técnica trabalha movimentando a energia dos chakras básicos para os superiores (chamado no Tantra de Laya krama, ou o Caminho da dissolução). Uma solução seria alternar Pavana Muktasana com Yoga Sukshma Vyayama.
Posturas de meditação – dhyanasanas (Padmasana, Vajrasana, Sukhasana, Siddhasana) vão dar segurança e estabilidade para Vata. É o dosha mais beneficiado pelas práticas de concentração e meditação.
Surya Namaskara também é excelente para equilibrar Vata , promover grounding, aquecer e manter as articulações e os intestinos em boas condições.
Trabalhos articulares para a coluna, como o Gato – que pode ser desdobrado de várias formas, vão manter a saúde das articulações vertebrais, raízes nervosas, ligamentos e músculos das costas.
Também são interessantes as posturas de extensão (Bhujangasana, Dhanurasana, Chakrasana, Ustrasana) – para abrir os peitorais e o gradil costal ; de flexão da coluna (Paschimottanasana, Padahastasana, Janushirshasana) para tonificar os intestinos e sedar o sistema nervoso ; e de equilibrio (Vrikshasana, Natarajasana).
E é bastante útil a prática de Mula bandha (contração do períneo) durante as asanas, para tonificar o aparelho excretor e para energizar os dois primeiros chakras básicos.
Pranayamas com ritmo e sem retenções prolongadas – como Anuloma Viloma, respiração completa com krama, respiração quadrada (Samavritti) – são boas para equilibrar Vata.

Pitta dosha será reequilibrado com pranayamas sedantes : Chandra, Chandra bheda, Nadi shodhana, Shitali, Sitkari. e lentas respirações abdominais com ênfase na expiração.
Asanas de compressão do ventre são importantes para sedar Pitta e acalmar o Jataragni, como Paschimottanasana e Matsyendrasana. Inversamente, posturas de extensão (Chakrasana, Ustrasana, Dhanurasana) vão tender a aumentar Pitta e o Jataragni.
O trabalho de Pavana Muktasana – especialmente a segunda série – vai ajudar a equilibrar Pitta.
Pitta também é sedado com posturas de inversão (Viparita karani e Sarvangasana). Posturas de equilíbrio também são importantes para Pitta. É o dosha mais beneficiado pela prática de relaxamento e de Yoga Nidra (meditação composta de relaxamento com visualizações) .
O dosha Pitta é o que está mais diretamente relacionado com Jataragni, o fogo digestivo, porisso são muito úteis os trabalhos com as Kriyas (purificações) Agni sara (limpeza pelo fogo) e Kapalabhati (o sopro do crâneo) e com Uddhyana bandha (se não houver gastrite), feitas sem exagero. Vão equilibrar e manter a boa qualidade do Jataragni. Bhastrika pranayama (o fole) vai aumentar bastante Pitta e o Jataragni. Yoga Sukshma Vyayama também vai tender a aumentar Pitta.

De uma forma geral, os pranayamas – especialmente os com retenções mais longas – vão beneficiar especialmente o dosha Kapha, mantendo o aparelho respiratório em boas condições.
Respiração completa com ritmo (1:4:2:4) e com ênfase nas fases média (intercostal) e alta (subclavicular).
Kriyas de limpeza como Kapalabhati, Agni Sara e Uddhyana Bandha, e pranayamas tonificantes como bhastrika (se o cliente não for hipertenso), Surya e Surya bheda, Ujjayi, feitos moderadamente, são interessantes para Kapha. Este dosha também será muito beneficiado com a prática de asanas de uma forma mais movimentada, como Surya Namaskara ou asanas com vinyasa (asanas dinâmicas preparatórias). Kapha , o dosha da base, da estrutura, está relacionado aos chakras básicos : Muladhara (elemento terra) e Swadhisthana (água). A Pavana Muktasana vai atuar positivamente em Kapha, drenando o excesso de energia da base para os chakras superiores. Já Yoga Sukshma Vyayama, que embora seja uma técnica quente e movimentada – bom, portanto, para Kapha – funciona drenando a energia para os chakras básicos, e não deve ser feita com exagero, preferencialmente alternando-se com Pavana.

Segundo o critério de Langhana e Brimhana – os parâmetros ayurvédicos de classificação e avaliação dos processos da sedação e da tonificação (e que será assunto de um outro texto), dentre as asanas e os pranayamas que tem efeitos sedantes e tonificantes, aqueles que tem específicamente efeito equilibrador e harmonizador para todas as tipologias são : nadi shodhana (a respiração polarizada) e shirshasana (postura sobre a cabeça), esta ultima levando-se em conta suas contraindicações (hipertensão, glaucoma,etc.).

Aderson Moreira Da Rocha