A fitoterapia é tão antiga quanto a história da humanidade:

Era uma vez uma criatura parecida com um macaco que se esticava nas 2 pernas para ter uma melhor visão do ambiente. Passam-se milhões de anos e seu cérebro aumenta de tamanho, seus cabelos ficam mais finos e há cerca de 200 mil anos atrás evolui para um ser que usa instrumentos e cria linguagem, e que foi chamado de ser humano (Homo sapiens). Ele passa a testar seu ambiente e desenvolve uma lista de plantas (não escrita), com gosto bom, gosto ruim e aquelas que faziam sentir-se melhor ou pior. Este conhecimento, do poder dos vegetais, foi passado de geração a geração, e foi coletado para responder perguntas que, em algum momento, nós já fizemos: qual a melhor maneira de satisfazer a minha fome ? Como aliviar o meu sofrimento ? Como posso promover a minha vitalidade ?

Muitas vezes não temos consciência, mas a vida no nosso planeta deve a sua existência ao reino vegetal… raramente pensamos nisto…nossa crescente exploração do ambiente nos deixa em debito com este, generoso, reino que sustenta  o nosso planeta por muitos milhões de anos. Em 1975, em uma gruta no sul da Ásia, que tinha sido habitada há 60 mil anos atrás (paleolítico médio superior) pelo homem de neandertal, encontrou-se pinturas de plantas e órgãos humanos em uma clara alusão a correspondência terapêutica.  Muitos animais, de pássaros a gorilas, buscam plantas especificas quando estão doentes. Caçadores atentos, nossos ancestrais, podem ter percebido esta relação entre os animais e as ervas. Acreditamos que a medida que as tribos se tornaram mais eficientes em suprir suas necessidades básicas de sobrevivência foram adotados algumas especialidades. Um dos primeiros foi o curandeiro, que desenvolveu um repertório de “substancias secretas”, guardadas com zelo, somente transmitidas a iniciados selecionados. Nós observamos culturas nativas, em todos os continentes, terem desenvolvido tradições de curas repletas de remédios derivados da farmácia da natureza. De acordo com antigas crenças, as plantas são os mediadores entre os homens e os deuses, entre o ser humano e o criador. Um dos manuais mais antigos de medicina foi encontrado nas ruinas de Nippur (mesopotâmia), escrito em 4000 a.C., em tabua de argila com características cuneiformes, cita varias plantas entre elas o tomilho.

No antigo Egito papiros e inscrições de 1900 e 1450 a. C. citam muitas plantas medicinais. Já Na China antiga a lenda de Shen Nung remonta de 2800 a.C. Shen Nung foi o lendário imperador chinês que olhou para o céu e voltou os olhos para a terra e buscou a cura das doenças nos produtos da terra: plantas e cereais. Pen Tsau (dinastia Han  100 a. C), referência antiga chinesa sobre fitoterapia, descreve mais de 300 espécies de plantas medicinais. Inclusive a Ephedra ou Ma Huang, de onde a alopatia tirou a efedrina

Na Índia antiga, os Vedas utilizavam as plantas em rituais, há mais de 3000 anos atrás, inclusive o mítico Soma, planta utilizada em rituais, com poderes sobrenaturais, que é citado, posteriormente, nos textos ayurvedicos. Os textos clássicos do Ayurveda, escritos no primeiro milênios a.C., descrevem detalhadamente o uso da fitoterapia: Charaka Samhita ( tratado de medicina interna) descreve cerca de 500 plantas medicinais já o Susruta Samhita ( tratado de cirurgia) cite  cerca de 700 plantas medicinais.     Na Grécia, Teofrasto, discípulo de Aristóteles, do sec. IV a. C., escreve Historia das Plantas em 9 vol. Porem, a personalidade mais importante da história da medicina foi Hipócrates( 468-377 a.C.), verdadeiro terapeuta holístico, constantemente afirmava: “que o seu alimento seja o seu remédio”,  utilizava mais de 400 plantas medicinais, dietas e exercícios. Considerado “o pai da medicina”, ele dividiu as pessoas em 4 temperamentos:

  1. Fleumático: frio e umidade (inverno). Correspondia a patologias respiratórias. Tratamento com ervas quentes e secas, ex: tomilho
  2. Sanguíneo: quente, alegre, inclinado aos excessos. (primavera). Gota e diarreia. Ervas deveriam ser frias e secas, ex: escrofulária
  3. Melancólico: frio e seco (outono). Correspondia a depressão e constipação. Usava esrvas quentes como o sene.
  4. Colérico: seco e quente, (verão). Transtornos nervosos e hepáticos. Tratamento com plantas úmidas e frias. Ex: dente de leão.

Em Roma temos Pedanios Dioscórides, cirurgião do exército romano ( 40 a 80 d.C.), compilou o “De Matéria Médica” onde descreveu 600 espécies de plantas medicinais entre elas o alho e a mostarda. Porem, Galeno (131 a 200 d.C.) desenvolveu um sistema de uso das plantas medicinais relacionadas aos humores hipocráticos. Classificava as plantas como quentes, úmidas, frias e secas. Na idade média destaca-se Avicena ( 980 a 1036) que escreveu o “Canon da Medicina” baseado nos clássicos romanos e gregos. Influenciou a medicina na Europa. Na Índia a medicina dos árabes/muçulmana é denominada “Unani Medicine” e utiliza o diagnóstico pelo pulso. Unani, palavra árabe que significa “pelos gregos”.   O escritor Ibn al Baitar ( 1197 a 1248) farmacologista árabe descreveu a utilização de 300 plantas medicinais

Na idade média os mosteiros tornaram-se os centros de formação e prática médica e as bibliotecas dos mosteiros tornaram-se repositórios de livros sobre fitoterapia. Hildegard Von Bingen (1098 a 1179), fundou o mosteiro beneditino e pesquisou as plantas medicinais. Para “Santa Hildegarda” frente ao doente deve-se ter uma abordagem integral (corpo e espirito) o que deu origem ao conceito holístico: abordagem fundamental na medicina natural.   Na idade média plantas da medicina oriental foram introduzidas na Europa como noz moscada e cravo. Paracelso ( séc. XV ) fez uso de essências, tônicos e hidrolatos de plantas medicinais. Este famoso alquimista afirmou: “todo meu conhecimento médico se deve a sabedoria das bruxas”  e completou “ um médico tem necessidade de um profundo conhecimento da obra da natureza…nossos prados e montes são nossas farmácias”. Paracelso foi um grande observador dos fenômenos naturais, a ponto de afirmar: “a medicina se fundamenta na natureza, os homens devem buscar os medicamentos na natureza. A natureza é a mestra do médico, sendo ela a mais antiga que ele. Ela existe dentro e fora do homem“. Afirmação muito relevante aos momentos atuais…

Nesta época surge a figura do curandeiro ( fora da Igreja) com notáveis conhecimentos de ervas. Este personagem passou a ser perseguido pela igreja. Acredita-se que neste período houve cerca de 10 milhões de vítimas da perseguição religiosa. Para a igreja era uma figura desafiadora de sua autoridade devido as suas crenças “ateias e hereges” e somente o fogo poderia purificar sua alma.   O Bhavaprakasa é texto clássico ayurvédico de Bhavamisra do século XVI. Este trabalho enciclopédico aborda todos os aspectos do Ayurveda. O autor coletou todas as informações disponíveis de fontes autorizadas. Apresenta 10268 versos em 80 capítulos. No texto são descritas muitos alimentos e plantas medicinais.

No século XVI e XVII o ensino da botânica medicinal passou a ser formalizado com a implantação dos jardins botânico. Muitos profissionais retornam a obra de Dioscórides ( sec. I). Nesta época é criada a farmacopeia de vários países: Inglaterra, França, Espanha e Portugal (com plantas da américa do sul).       Porem, no século XVIII surge a figura do médico alemão Samuel Hahnemann (1755 a 1843) que usa medicamentos dos 3 reinos ( mineral, animal e vegetal). Com o principio de tratar a enfermidade com as mesmas substancias que a promovem (tratamento pelo semelhante), porem com doses diluídas e dinamizadas. Surge a Homeopatia: homeo = semelhante e pathos = enfermidade, ou seja, tratar a doença pelo semelhante. Em 1810 publica o “Organon da Arte de Curar” e afirma “No estado de saúde, a força vital imaterial que dinamicamente anima o corpo material, reina com poder ilimitado e mantem todas as suas partes em admirável atividade harmônica, nas suas sensações e funções, de maneira que o espírito dotado de razão, que reside em nós, pode livremente dispor desse instrumento vivo e são para atender aos mais altos fins de nossa existência”.

Em 1830 nos EUA surge um movimento de uso das plantas medicinais, compilados dos Índios, combinadas com práticas mais ortodoxas. Como destaque o doutor Wooster Beech que associa os avanços científicos com o uso adequado das plantas medicinais: este movimento foi chamado de “ ecletismo”. Movimento que chega a contar com mais de 20 mil profissionais norte americanos..Em 1864 na Inglaterra é fundada o “ National Institute of Medical Herbalists”  Já em 1927 foi fundada a Society of Herbalists por Hilda Leyel. E em 1964 foi fundada a British Herbal Medicine Association que desenvolveu a British Herbal Pharmacopoeia, que foi feita de monografias sobre as plantas medicinais.

No século XX, com o desenvolvimento da Indústria Farmacêutica, aparecimento da Aspirina ( sintetizada da salicina do salgueiro branco) e Penicilina, cresce o mercado da síntese química sobre o produto natural. Acontece a proibição de patentear plantas medicinais e a obtenção de lucro sobre a patente dos produtos sintetizados, em laboratório, pela indústria farmacêutica. Ocorre um movimento de distanciamento das plantas medicinais, na sociedade ocidental, com a industrialização. As populações migram para as cidades. Os grandes laboratórios se concentram no isolamento de princípios ativos e produção em laboratório. Porem, no final do século XX,  surge um importante movimento de pesquisa das plantas medicinais com a possível Influência da Medicina Oriental. As plantas medicinais são como fito-complexos com muitos princípios ativos que agem de forma sinérgica, onde o todo é maior que a soma das partes e desenvolve menos efeitos indesejáveis e dependência.

Pesquisas recentes demonstram que as principais causas de mortalidade são:

  1. Doença do coração
  2. Câncer
  3. Drogas prescritas pelo médico

Isto demonstra que o uso terapêutico das plantas medicinais é, cada vez mais, importante em um planeta dominado pelo excesso de uso de remédios de farmácia.

Prof.dr Aderson Moreira da Rocha, médico de família, reumatologista. Especialista em acupuntura pela Associação Médica Brasileira e especialista em Ayurveda pela Associação Brasileira de Ayurveda. Mestre e doutor em Saúde Coletiva pela UERJ.

Aderson Moreira Da Rocha
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